terça-feira, 22 de outubro de 2013

Reprimenda.

Ah! menina-moça , moça-mulher. És egoísta. Abandona teus papéis, tuas palavras e teus pensamentos e só a eles recorre quando a tristeza vem.
Por que não escreves quando a felicidade cá está? Por que não escreves sobre a beleza dos cantarolantes moços de rua e sobre a poesia existente nos blocos de concreto?
Sabes que é escrevendo que sua alma cura. Então, por que não busca a cura constante? Tens mesmo que esperar as feridas romperem-se? Tens que esperar a alma transbordar, encher-se de rupturas? Não é justo! Não é válido. Escrever só quando convém e esquecer-se da obrigação firmada entre tu e tuas palavras. Dentro de ti, existe um mundo letrado. Descubra-o, desfrute-o, devore-o. Devora-te!



domingo, 16 de junho de 2013

Afasta de mim esse cálice.


Eu contesto. Eu discordo. EU PROTESTO.
Fatos perturbadores - ao ego, à alma, à intelectualidade e à consciência - espalham-se por aí . Infiltram-se pelas imagens, pelas palavras, pelas venezianas. Atravessam os olhos vendados com ricos pedaços de cetim e penetram os ouvidos vedados daqueles que são cegos e surdos por opção.

O grito dos que nunca falaram, agora ecoa, pelo direito de gritar.
A humanidade, no sentido qualitativo da palavra, se perde em meio ao gás e ao caos. O rei manda, ao lado de seus bispos e torres, e os piões atacam, esquecendo-se que também possuem faces.

Da pseudo-Democracia, só restam os destroços e a hipocrisia das bandeiras hasteadas nos gabinetes. 

Da pseudo- Liberdade, só restam os escombros e alguns frascos de vinagre.

Do Brasil, só resta o mau futebol e alguns bilhões solidificados em estádios.
Não são 20 centavos. Não são atos vândalos. Não são jovens alienados. 

É o futuro, batendo na porta do Planalto, e exigindo o direito de ter direitos.






"Vai passar

Nessa avenida um
samba popular
Cada paralelepípedo

Da velha cidade
Essa noite vai 

Se arrepiar 

Ao lembrar 
Que aqui passaram 
sambas imortais 
Que aqui sangraram pelos 
nossos pés 
Que aqui sambaram 
nossos ancestrais 

Num tempo
Página infeliz da nossa
história
Passagem desbotada na 
memória 
Das nossas novas 
gerações 
Dormia 
A nossa pátria mãe tão 
distraída 
Sem perceber que era 
subtraída 
Em tenebrosas 
transações 

Seus filhos
Erravam cegos pelo
continente
Levavam pedras feito
penitentes 
Erguendo estranhas
catedrais 
E um dia, afinal 
Tinham direito a uma 
alegria fugaz 
Uma ofegante epidemia 
Que se chamava carnaval 
O carnaval, o carnaval 
(Vai passar) 

Palmas pra ala dos
barões famintos
O bloco dos napoleões
retintos
E os pigmeus do bulevar 
Meu Deus, vem olhar 
Vem ver de perto uma 
cidade a cantar 
A evolução da liberdade 
Até o dia clarear 

Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório
geral vai passar 
Ai, que vida boa, olerê 
Ai, que vida boa, olará 
O estandarte do sanatório 
geral 
Vai passar"

Chico Buarque 









quinta-feira, 16 de maio de 2013

Encantamento relâmpago.

ENCANTAR-SE : A crocância murmurante das torradas e o cheiro de cardamomo. Uma caneta tinteiro, a leitura de um bom conto e o analfabetismo dos poetas rurais. O roubo de  olhares cor de mel,  sorrisos perdidos e beijos sigilosos. Sagrados secretos bem-quereres. Das morenas tropicanas do Alceu, e dos meninos dourados. Pronto! Temos encantos e cantos e "ses". Hipóteses bordadas, palavras borradas e lembranças cor de ouro. Encantada.






domingo, 28 de abril de 2013

Aleatoriedade.


Títulos aleatoriamente pescados da estante da sala:

-A vida secreta das plantas
-Psicologia moderna
-Tocaia Grande
-Anarquismo
-O poder psíquico das pirâmides
-Análise do Comportamento Humano
-O deserto dos tártaros
-O amigo da infância
-Principais Culturas I 






Desenho inspirado nos Contos de Beedle o Bardo













segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Alimentos da alma.


Para nós, eternos amantes-escravos das palavras, o silêncio é um martírio. Quando as bocas  calam e os ouvidos dormem, a mente anseia por melodias desconhecidas, formadas pela infinidade de tudo o que absorvemos nesse "mundo vasto,mundo". Desses anseios, surge a curiosidade. Da curiosidade, surge a necessidade de ler qualquer coisa interessante que esteja ao seu alcance. Foi assim que li sobre os dervixes rodopiantes. Deles pouco sei. Mas suas antigas palavras, carregam sabedoria ainda mais antiga, preciosas o suficiente para alimentar nossas mentes, e almas, no martírio silencioso.


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Foto: arquivo pessoal



Eu sou Tu.

Sou as partículas de pó à luz do sol,
sou o círculo solar.
Ao pó digo: "não te movas",
e ao sol: "segue girando".

Sou a névoa da manhã
e a brisa da tarde.
Sou o vento da copa das árvores
e as ondas contra o penhasco.

Sou o mastro, o leme, o timoneiro e a quilha
e o recife de coral em que naufragam as embarcações.
Sou a árvore em cujo galho tagarela o papagaio,
sou silêncio e pensamento, e também todas as vozes.

Sou o ar pleno que faz surgir a música da flauta, 
a centelha da pedra, o brilho do metal.
Sou a vela acesa e a mariposa
girando louca ao seu redor.
Sou a rosa e o rouxinol
perdido em sua fragrância.

Sou todas as ordens de seres,
a galáxia girante,
a inteligência imutável,
o ímpeto e a deserção.
Sou o que é
e o que não é.

Tu, que conheces Jalal-ud-Din
Tu, o Um em tudo,
diz quem sou.
Diz: eu sou
Tu.

Divan de Shams de Tabriz - Jalal ud-Din Rumi

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Solidão em um parágrafo.

Estar só não é sinônimo de ser só e o mesmo vale para o vice-versa. Ser só pode se aplicar em toda uma vida...mas pode se resumir em estar só por um minuto. Eu estou só, e em alguns momentos, sou só.




 A solidão abraça e estraçalha, conforme a cor que você a atribui. Hoje, ela é bege. Um estraçalhar carinhoso, ou um abraço estraçalhante. Ontem, ela foi cinza,amarela e até preta. Amanhã, que cor terá?





















quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Do branco e azul dos ladrilhos.

Banheiros. Não é lá um tema muito fácil  de se fazer prosas. A verdade é que há um certo asco em relação a este cômodo. As pessoas escrevem todo o tempo sobre quartos aconchegantes, com pesados edredons e janelas laterais. Dissertam sobre a importância das cozinhas, com seus aromas e azulejos. Inspiram-se nos jardins desordenados, com flores do campo e gotas de orvalho. No entanto, raramente (perdoem-me o trocadilho) perdem seu tempo e suas palavras discorrendo sobre banheiros. Admito que ligadas ao tema em questão, existem situações não muito poéticas...mas até elas podem ser proseadas, pelos praticantes da escatologia literária!
O fato é que o branco e azul dos ladrilhos, me é, de certa forma, agradável. Deve existir por este mundo de concreto,milhares de banheiros com ladrilhos brancos e azuis. Pequeninos ou suntuosos, rispidamente limpos ou inundados de espumas por uma banheira travessa, explorando a infinita criatividade arquitetônica ou repletos da simplicidade retangular padronizada. Mas nenhum destes compara-se ao meu toalete inspirador. Ele não é suntuoso, mas não é pequenino. O branco e o azul estão por toda parte: na toalha de rosto, na lamparina, no cabideiro e, é claro, nos ladrilhos. Banhar-se em meio a este aconchego bicolor é uma das delícias da vida. A água que cai do chuveiro, de tão cristalina e livre dos venenos presentes nos encanamentos urbanos, lava a alma! E enquanto se tem a alma lavada tudo parece mais fácil de se observar (e de se absorver). Encostados a um canto, caracóis, peixes e barquinhos de brinquedo repousam, saudosos de quando eram requisitados para navegações piratas. Cosméticos variados estão sobre a bancada da pia, e acima desta, um pequeno espelho mexicano está fixado, para que a gente possa se olhar nos olhos às vezes. Na banheira, peixes de mosaico enamoram-se, eternizados. Basta erguer o olhar, deixando os peixes em seu séssil romance, para se deparar com a janela, que é o que mais me encanta. É uma janela de madeira, com vidros incrustados. Do lado de fora, cresce um revolto pé de lampanas, afim de garantir a privacidade. Durante o dia, a luz inunda o aposento, e os ladrilhos parecem ainda mais límpidos e claros. Ao fim da tarde, podemos nos banhar assistindo ao pôr-do-sol, enquanto os últimos raios solares atingem a banheira em cheio, causando arco-íris na água corrente. À noite, a janela é fechada, para a não invasão da fauna silvestre. Entretanto, os grandes vidros permitem a visão das estrelas, e um vislumbre da Lua. Nessas noites, apagar as lâmpadas e convidar o luar para entrar, desliga-me do mundo por alguns instantes. Perco-me no azul e branco enluarado, agradecendo ao Universo pela oportunidade de desfrutá-lo.