quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Solidão em um parágrafo.

Estar só não é sinônimo de ser só e o mesmo vale para o vice-versa. Ser só pode se aplicar em toda uma vida...mas pode se resumir em estar só por um minuto. Eu estou só, e em alguns momentos, sou só.




 A solidão abraça e estraçalha, conforme a cor que você a atribui. Hoje, ela é bege. Um estraçalhar carinhoso, ou um abraço estraçalhante. Ontem, ela foi cinza,amarela e até preta. Amanhã, que cor terá?





















quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Do branco e azul dos ladrilhos.

Banheiros. Não é lá um tema muito fácil  de se fazer prosas. A verdade é que há um certo asco em relação a este cômodo. As pessoas escrevem todo o tempo sobre quartos aconchegantes, com pesados edredons e janelas laterais. Dissertam sobre a importância das cozinhas, com seus aromas e azulejos. Inspiram-se nos jardins desordenados, com flores do campo e gotas de orvalho. No entanto, raramente (perdoem-me o trocadilho) perdem seu tempo e suas palavras discorrendo sobre banheiros. Admito que ligadas ao tema em questão, existem situações não muito poéticas...mas até elas podem ser proseadas, pelos praticantes da escatologia literária!
O fato é que o branco e azul dos ladrilhos, me é, de certa forma, agradável. Deve existir por este mundo de concreto,milhares de banheiros com ladrilhos brancos e azuis. Pequeninos ou suntuosos, rispidamente limpos ou inundados de espumas por uma banheira travessa, explorando a infinita criatividade arquitetônica ou repletos da simplicidade retangular padronizada. Mas nenhum destes compara-se ao meu toalete inspirador. Ele não é suntuoso, mas não é pequenino. O branco e o azul estão por toda parte: na toalha de rosto, na lamparina, no cabideiro e, é claro, nos ladrilhos. Banhar-se em meio a este aconchego bicolor é uma das delícias da vida. A água que cai do chuveiro, de tão cristalina e livre dos venenos presentes nos encanamentos urbanos, lava a alma! E enquanto se tem a alma lavada tudo parece mais fácil de se observar (e de se absorver). Encostados a um canto, caracóis, peixes e barquinhos de brinquedo repousam, saudosos de quando eram requisitados para navegações piratas. Cosméticos variados estão sobre a bancada da pia, e acima desta, um pequeno espelho mexicano está fixado, para que a gente possa se olhar nos olhos às vezes. Na banheira, peixes de mosaico enamoram-se, eternizados. Basta erguer o olhar, deixando os peixes em seu séssil romance, para se deparar com a janela, que é o que mais me encanta. É uma janela de madeira, com vidros incrustados. Do lado de fora, cresce um revolto pé de lampanas, afim de garantir a privacidade. Durante o dia, a luz inunda o aposento, e os ladrilhos parecem ainda mais límpidos e claros. Ao fim da tarde, podemos nos banhar assistindo ao pôr-do-sol, enquanto os últimos raios solares atingem a banheira em cheio, causando arco-íris na água corrente. À noite, a janela é fechada, para a não invasão da fauna silvestre. Entretanto, os grandes vidros permitem a visão das estrelas, e um vislumbre da Lua. Nessas noites, apagar as lâmpadas e convidar o luar para entrar, desliga-me do mundo por alguns instantes. Perco-me no azul e branco enluarado, agradecendo ao Universo pela oportunidade de desfrutá-lo. 

sábado, 10 de novembro de 2012

Das influências.

Ainda hei de entender a influência que os dias chuvosos têm sobre nós,meros aspirantes ao cargo de escritas.É claro que existem inúmeras outras influências a serem consideradas, afinal de contas, sempre existe um raio de sol atrevido gerando arco-íris na água que cai do chuveiro ou mostrando as impurezas flutuantes do ar. Somos influenciados também por dias corriqueiros, por café com chantilly, por sonhos desprovidos de nexo, por latões e lixos, por gatos e pássaros (as malas também costumam ser de grande efeito inspiracional). Estas são as influências diretas: me obrigam a escrever seja lá o que for, onde for, simplesmente porque estou inspirada. Às indiretas, eu atribuo nomes. Nomes de autores, livros, poemas, crônicas, prosas, versos. De Saramago à Lispector, de Rilke a Murilo Mendes. Eternizados em minha alma e nas palavras proferidas por ela.
Ainda assim, todas elas não são tão eficazes quanto os dias chuvosos. Estes sim, têm poder total. O tamborilar da chuva aflora o âmago do ser, e o cinza das nuvens causa comichões nas pontas dos dedos. A caneta e o papel se tornam a companhia indispensável, vital. O antagonismo se faz presente, pois é nos dias de chuva que escrevemos sobre os dias ensolarados. É na fria melancolia que escrevemos sobre o aconchego do calor. Escrevemos também palavras aleatórias, na vã tentativa de justificar as brumas da mente, que às vezes, se solidificam em letras.


"Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite:"Sou mesmo forçado a escrever?" Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, a dizer o que vê, vive, ama e perde. (...)"

Rainer Maria Rilke, "Cartas para um jovem poeta".